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“Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..." (Clarice Lispector)

sábado, 27 de novembro de 2010

Os meus, os seus, os nossos

         O tempo estava fechado no Rio. Nuvens densas de chuva e trovoadas fortes assustavam a população. Pelo menos, deveriam estar assustando, mas ninguém parecia sequer perceber isso. Qual carioca, no dia 25 de novembro de 2010, reparou no céu? Estavam todos ocupados olhando cautelosamente para os lados, a procura de transeuntes suspeitos ou aglomerações policiais. O clima apenas acompanhou a tensão na cidade, que aumentava a todo momento. A Cidade Maravilhosa estava declaradamente em guerra.
         A imprensa brasileira transmitiu ao vivo cada novo acontecimento daquele dia conturbadíssimo. Tiroteios, veículos incendiados, civis atingidos, criminosos em fuga... Eram cenas nítidas de uma guerra civil.
Da televisão, acompanhei o momento em que os policiais chegaram às comunidades. O sentimento que deveria traduzir este momento deveria ser alívio, mas não foi. A angústia crescia a cada segundo e o medo apoderava-se das pessoas. Polícia militar, BOPE, tanques da marinha, polícia federal, exército... Nada parecia controlar a situação, que se tornava mais e mais caótica. Nas ruas, notava-se claramente os olhares apreensivos e as expressões de pânico. As horas arrastavam-se, e aquele dia histórico de horror, parecia não ter fim.
É apavorante a possibilidade de que alguém amado por mim sofra com essa violência gratuita, explícita, descarada. Porém, ainda mais estarrecedor, é pensar nas mais de 400 mil pessoas que vivem no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro.
Sinto uma tristeza profunda só de imaginar-me no lugar daqueles moradores. E um pouquinho de vergonha também, por reconhecer-me incapaz de encarar essa realidade com a força deles. Há quem diga que é natural para essas pessoas tudo o que está acontecendo, mas eu não acredito nisso. Ninguém se acostuma com o som de tiroteio. Ninguém se acostuma a ir para o trabalho deixando os filhos em casa, em risco. Ninguém se acostuma ao abuso de poder dos policiais. Me desculpem os conformistas, mas eu não acredito que alguém se acostume a viver nas trincheiras dessa guerra aparentemente infinita.
O que me torna diferente daquela gente? O que me faz ser merecedora de viver se não em paz, ao menos com alguma tranquilidade? O que faz de mim especial? Por que a minha vida é tão mais fácil do que a deles? A injustiça óbvia nos fecha a garganta, mareja os olhos e embrulha o estômago.
No fim, todos nós saímos perdendo de alguma forma. E todos vamos seguir com cicatrizes, não só desse dia, mas desta época que estamos vivendo. Só o que posso dizer, é que eu sinto muito. Por mim, pelos meus amores, por você, pelos seus familiares, pelos nossos amigos, pelos moradores daquelas comunidades, pelas tantas pessoas que os amam, pelos profissionais em combate e também pelos criminosos, que acabam sendo vítimas dos próprios atos. Eu sinto muito pelo Rio de Janeiro, a eterna Cidade Maravilhosa, que abriga uma guerra sem vencedores iminentes.

Um comentário:

  1. Ninguém se acostuma ao abuso de poder dos policiais, nem dos bandidos. Tudo o que ocorreu foi tenso, deixou a toda a cidade assustada. Mas o confronto não é necessário a curto prazo? É tão dificil tudo isso, mas as pessoas que lá moram são a favor da invasão, quem sou eu pra ser contra, não vivi o que eles viveram todos esses anos, não posso julgar nada...
    Espero que tudo fique melhor pra todos eles.

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