O
relógio registrava 18h, mas estava tarde. Ela sabia disso. Apesar da
consciência, aproveitou o momento inoportuno. Embriagada pelo excesso de
lucidez, tomou em mãos seu celular e enviou a mensagem dizendo o que há tempos
queria. “Penso em você e sinto sua falta todos os dias.”
As
horas que se seguiram pareceram, na verdade, dias. Mas, enfim, a resposta
chegou. Não como ela almejara, mas chegou. “Também penso e torço por você.
Espero que esteja bem.” Uma corrente gélida de ar percorreu por todo seu corpo.
Teve o impulso de responder no mesmo instante que não, não estava bem,
precisava dele por perto e que torcer seria em vão. A felicidade dela estaria
condenada enquanto ele se recusasse a vivê-la. Mas não o fez.
Os
dias que se seguiram pareceram, na verdade, longas noites. Era notório que
muita coisa havia mudado. Sua ferida já não doía. Aliás, estava incapacitada de
sentir qualquer coisa que fosse. Tudo parecia normal. Quem a percebesse de
fora, jamais calcularia sua inquietude emocional.
Aos
poucos, ela foi se transformando naquilo que não imaginara ser. Um poço
profundo de silêncios e amarguras. Uma beleza apagada, morta. Trancou- se em
casa, pensando estar se respeitando ao invés de se escondendo. Sem cuidado, sem
higiene, sem preocupação, sem lembranças... Sem alguma vida.
A
campainha tocou e ela atendeu sem vontade nenhuma. Uma velha amiga sorria à
porta, e entrou. Criticou a desordem, questionou sua aparência, reclamou do mau
cheiro. Aconselhou, brigou, abraçou. Fez todas aquelas coisas que os amigos
fazem. Mas dentro dela, nada mudou.
Saíram
para a rua. Dizia que ela precisava ver a luz do dia. Caminharam, tomaram
sorvete, riram e fingiram estar tudo bem. Vez ou outra, a amiga voltava a
abraçá-la. Ela não gostava, mas deixava. E então, continuavam a rir e fingir
que tudo estava bem.
Percebeu,
com isso, que podia voltar a viver ainda em morte. Se fingisse direitinho, pensou,
ninguém perceberia sua ausência. Voltou ao trabalho, às saídas, às conversas
fúteis, aos sorrisos forçados, aos encontros indesejados. Namorou pessoas de
diversas cores, profissões, lugares e sexos...
Mas nunca mais amou.
Porque amar de verdade só se ama uma vez.
Quando se ama, afinal, é tão raro. Aquele sentimento não volta, mesmo porque
ele não se vai. Fica ali, quietinho, no seu lugar indevido. Palpita, dói, às
vezes até grita, mas sossega outra vez.
Agora ela vê que isso que ela vive, mas se recusa a chamar de vida, é o que a maioria das pessoas sempre teve. E, ao invés de transbordar autopiedade, ela tem pena é dos outros. Pois por mais que tenha doído, por mais que tenha acabado, por mais que a tenha matado... O amor que a destruiu é a prova de que ela algum dia viveu.