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“Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..." (Clarice Lispector)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Primeiro Conto


O relógio registrava 18h, mas estava tarde. Ela sabia disso. Apesar da consciência, aproveitou o momento inoportuno. Embriagada pelo excesso de lucidez, tomou em mãos seu celular e enviou a mensagem dizendo o que há tempos queria. “Penso em você e sinto sua falta todos os dias.”
As horas que se seguiram pareceram, na verdade, dias. Mas, enfim, a resposta chegou. Não como ela almejara, mas chegou. “Também penso e torço por você. Espero que esteja bem.” Uma corrente gélida de ar percorreu por todo seu corpo. Teve o impulso de responder no mesmo instante que não, não estava bem, precisava dele por perto e que torcer seria em vão. A felicidade dela estaria condenada enquanto ele se recusasse a vivê-la. Mas não o fez.
Os dias que se seguiram pareceram, na verdade, longas noites. Era notório que muita coisa havia mudado. Sua ferida já não doía. Aliás, estava incapacitada de sentir qualquer coisa que fosse. Tudo parecia normal. Quem a percebesse de fora, jamais calcularia sua inquietude emocional.
Aos poucos, ela foi se transformando naquilo que não imaginara ser. Um poço profundo de silêncios e amarguras. Uma beleza apagada, morta. Trancou- se em casa, pensando estar se respeitando ao invés de se escondendo. Sem cuidado, sem higiene, sem preocupação, sem lembranças... Sem alguma vida.
A campainha tocou e ela atendeu sem vontade nenhuma. Uma velha amiga sorria à porta, e entrou. Criticou a desordem, questionou sua aparência, reclamou do mau cheiro. Aconselhou, brigou, abraçou. Fez todas aquelas coisas que os amigos fazem. Mas dentro dela, nada mudou.
Saíram para a rua. Dizia que ela precisava ver a luz do dia. Caminharam, tomaram sorvete, riram e fingiram estar tudo bem. Vez ou outra, a amiga voltava a abraçá-la. Ela não gostava, mas deixava. E então, continuavam a rir e fingir que tudo estava bem.
Percebeu, com isso, que podia voltar a viver ainda em morte. Se fingisse direitinho, pensou, ninguém perceberia sua ausência. Voltou ao trabalho, às saídas, às conversas fúteis, aos sorrisos forçados, aos encontros indesejados. Namorou pessoas de diversas cores, profissões, lugares e sexos...  Mas nunca mais amou.
Porque amar de verdade só se ama uma vez. Quando se ama, afinal, é tão raro. Aquele sentimento não volta, mesmo porque ele não se vai. Fica ali, quietinho, no seu lugar indevido. Palpita, dói, às vezes até grita, mas sossega outra vez. 
Agora ela vê que isso que ela vive, mas se recusa a chamar de vida, é o que a maioria das pessoas sempre teve. E, ao invés de transbordar autopiedade, ela tem pena é dos outros. Pois por mais que tenha doído, por mais que tenha acabado, por mais que a tenha matado... O amor que a destruiu é a prova de que ela algum dia viveu.





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